Nesta semana, quem perguntou aos policiais militares do Brasil o que eles pensavam sobre os eventos em Vitória (ES), provavelmente ouviu como resposta a expressão: “é um aviso”; e a explicação: “o que acontece ali pode se espalhar por todo o país”; e ainda: “não podemos aceitar o atraso de salários, nem a perda de direitos em nossas aposentadorias”.
Para eles, foi lembrado que diante do esgotamento das finanças estatais, do aumento na esperança de vida e da queda na taxa de natalidade, não é mais possível manter antigos direitos que se transformam em privilégios dos adultos de hoje contra os brasileiros do futuro. Mas o parlamentar que lembrou isto aos PMs, ouviu uma sugestão: “cortem primeiro os privilégios dos parlamentares, juízes e altos funcionários, os altos salários, o valor das verbas indenizatórias, carro oficial, seguro de saúde ilimitado, ajudas de aluguel mesmo morando na cidade; cortem isto e depois conversamos sobre nossos privilégios". Quando ouviu que essa medida economizaria muito pouco, ele retrucou: “É porque vocês não percebem o exemplo e o respeito que teriam se fizessem isso”.
Foi isto que escutei e também: "talvez sejam necessários ajustes para equilibrar as irresponsabilidades fiscais dos últimos anos e fazer reformas que equilibrem gastos e receitas. E por que não começar cobrando mais impostos dos mais ricos e menos dos mais pobres; taxando as grandes fortunas; suspendendo as mordomias no setor público e impedindo que no setor privado elas sejam pagas com recursos públicos; iniciando a austeridade por aqueles que provocam desperdícios; por que não diminuir o gasto de quase um bilhão de reais por ano com fundo partidário; querem nos obrigar a trabalhar 45 anos para ter aposentadoria integral, então acabem com a aposentadoria integral e pelo teto para os outros”.
Quando lembrado que trabalhador armado não deve fazer greve, os PMs disseram: “então parem a fábrica de bandidos em que se transformou o Brasil e que armados estão nos assassinando”, “querem cumprir a Constituição sobre nós, mas por que o presidente do Senado não respeitou um mandato judicial do Supremo, ou por que a presidente da república foi cassada, mas não perdeu os direitos civis. Eu escutei: "parem de driblar a Constituição para beneficiar a vocês e aceitaremos que ela seja aplicada contra nós".
Todo encontro hoje nas ruas com o povo serve para sentir o humor da população. O brasileiro sente frustração com o clima de guerra civil, o excesso de privilégios e gastos, as obras inacabadas, o legado frustrado da Copa e das Olimpíadas, o roubo em forma de propinas e superfaturamentos. Mas ao mesmo tempo que se faz os ajustes fiscais, a pergunta é: por que continuamos com a mesma maneira de fazer política, repetindo o que criticávamos no passado. Há anos estão avisando e esperando, descontentes e descrentes, indignados e dispostos a romper as regras. Faz anos que o povo avisa e sugere. Por não os ouvir temos a estranha sensação de surpresa diante do fato anunciado e esperado: como na semana passada, em Vitória.
Por Cristovam Buarque
Senador da Republica
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