quarta-feira, 7 de março de 2018

Rio dos Macacos: audiência apontou encaminhamento para a titulação de território dos quilombolas e início de diálogo para acesso à água

Incra deverá titular terras reconhecidas em breve; MPF seguirá acompanhando o caso em busca da adoção de medidas para assegurar os direitos da comunidade quilombola

O Ministério Público Federal na Bahia (MPF/BA) e a 6ª Câmara de Coordenação e Revisão (6ª CCR) Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF realizaram na quarta-feira, 28 de fevereiro, audiência pública na sede do MPF em Salvador. A reunião deu continuidade ao processo referente à disputa territorial entre a comunidade quilombola Rio dos Macacos e a Marinha do Brasil, no município de Simões Filho (BA).

Durante o encontro, coordenado pelo procurador da República Leandro Bastos Nunes e pelo vice procurador-geral da República e coordenador da 6ª CCR, Luciano Mariz Maia,foram discutidas a situação territorial da comunidade, o acesso à área e às águas do Rio dos Macacos, além de encaminhamentos necessários para a titulação do território quilombola.

Na terça-feira, 27 de fevereiro, o vice procurador-geral da República se reuniu com a Comunidade Quilombola Rio dos Macacos em seu território, juntamente com o procurador da República e secretário executivo da 6ª CCR, Gustavo Kenner Alcântara, que também integrou a audiência pública. A intenção da visita foi conhecer de perto as dificuldades enfrentadas pela comunidade. 

A audiência contou com a presença da procuradora-chefe substituta do MPF/BA, Vanessa Previtera, da presidente do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), Fabiana Galera Severo, de representantes da comunidade, da Defensoria Pública da União, daMarinha, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) da Associação de Advogados(as) de Trabalhadores Rurais (AATR).

Estiveram presentes ainda o procurador-chefe da União no Estado da Bahia, Reinaldo de Souza Couto Filho, o diretor da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Júlio César de Sá da Rocha, representantes da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi), da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), da Superintendência do Patrimônio da União na Bahia, da prefeitura de Simões Filho, da Comissão de Reparação da Câmara de Vereadores de Salvador, da Embasa (Empresa Baiana de Águas e Saneamento), além de integrantes de outras comunidades quilombolas, estudantes e professores.

Durante o debate, cinco pontos principais foram levantados: a titulação das terras da comunidade; a revisão dos marcos territoriais definidos pelo Incra; o acesso da comunidade à água, por meio da Barragem do Rio dos Macacos; a construção de estradas ao território quilombola que não dependam do controle da Marinha; e a necessidade de promover o acesso da comunidade a políticas públicas, independentemente da conclusão do processo de titulação.

Primeiramente, reinvidicou-se, para a comunidade, a efetiva titulação de 104,8787 dos 301,3695 hectares de terra quilombola identificados pelo Incra no RTID - publicado em agosto de 2014 no Diário Oficial da União. Segundo o coordenador de Regularização de Territórios Quilombolas do Incra (DF), Antonio Oliveira Santos, a titulação está próxima, tendo em vista que a certificação de georreferenciamento da área – critério estabelecido em lei para concluir o processo – foi lançada na última semana. A partir daí, o órgão dará continuidade, em cartório para a unificação de matrícula dos territórios, para, em seguida, dar titularidade à comunidade Rio dos Macacos.

Foi posta em questão também a revisão dos marcos territoriais já estabelecidos pelo Incra. De acordo com o diretor de Ordenamento da Estrutura Fundiária do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária do Incra, Rogério Papalardo Arantes, contudo, modificar os marcos é retroceder. “Mudar qualquer forma de delimitação significa voltar à estaca zero. Persistir nessa disputa por mais tempo está sendo contraprodutivo para a comunidade”, argumenta.

Outro ponto-chave da situação quilombola é o acesso restrito às águas da barragem do Rio dos Macacos. A Marinha, representada pelo comandante da Base Naval de Aratu, Marcus Vinícius de Castro Loureiro, relatou a importância estratégica do território e da barragem para o abastecimento do complexo industrial da região. O comandante afirmou a necessidade da construção de um muro em torno do local para a segurança das instalações, com um portão de acesso controlado pela Marinha. "Para efetuar a proposta de utilização da água compartilhada, colocaremos um portão de acesso à comunidade para as demandas de pesca e rituais religiosos", explica. No entanto, os quilombolas necessitariam fazer um cadastro prévio para ter autorização e acesso às águas do Rio dos Macacos.

Entretanto, de acordo com o defensor público Federal Átila Ribeiro Dias, os quilombolas têm o direito de negar essas exigências. "A comunidade tem autonomia para aceitar ou não esses critérios, os quais não podem ferir a identidade quilombola", destaca. Do mesmo modo, segundo a presidente do CNDH, Fabiana Galera Severo, a preservação da cultura dos povos quilombolas é um compromisso de todos e estabelecer esse cadastro colocado pela Marinha é um retrocesso. "A preservação dessa cultura está intimamente ligada à terra e à água enquanto recursos naturais. Por isso, precisamos garantir que a comunidade tenha acesso a isso de maneira desburocratizada", defende.

De acordo com a representante da comunidade Rosimeire dos Santos Silva, a construção do muro e do portão de controle reprime o direito de ir e vir dos quilombolas, além de limitar o uso da água. "O portão restringe a ida e vinda da comunidade, como também retira as fontes e nascentes históricas do quilombo. Não queremos o domínio da barragem, mas o uso compartilhado da água", explica.

Outro ponto reivindicado pelo representante da ATTR, Carlos Eduardo Chaves, foi a finalização das obras das estradas independentes para acesso da comunidade ao território, tendo em vista que a única entrada existente é controlada pela Marinha. "Essas vias precisam ser terminadas e tratadas com objetividade", ressalta. Além disso, "a construção das estradas garante uma autonomia para a comunidade", acrescenta Fabiana.

Por fim, foi colocada a necessidade de acesso a políticas públicas básicas por parte da comunidade, como habitações seguras, saneamento básico, energia elétrica e água encanada. Nesse sentido, segundo o vice procurador-geral da República e coordenador da 6ª CCR, Luciano Mariz, é possível fazer ajustes e acordos entre a Marinha e as necessidades da comunidade. "Aprendendo a acreditar uns nos outros, estabelecemos uma convivência pacífica. Ou seja, é importante que consigamos ter a capacidade de caminhar juntos", salientou.

Resultados - Para os membros do MPF que conduziram e acompanharam o evento, a audiência resultou em relevantes compromissos voluntários assumidos pelos diversos órgãos participantes, em prol dos quilombolas. Entre eles, estão: a celeridade na conclusão da titulação das terras; o não condicionamento ao acesso a políticas públicas à titulação da área ou mesmo à construção de muro que separe a área destinada à União; e o consenso sobre a necessidade de construção de estrada de acesso própria para a comunidade. Para o MPF, é importante, ainda, que a União reavalie os limites de construção do muro, na intenção de preservar espaços estratégicos ou sagrados para a comunidade, que terminaram fora dos marcos atualmente estabelecidos, sem que isso exija a necessidade de reestudo do território ou elaboração de novo georreferenciamento pelo Incra.

A partir do Inquérito Civil nº. 1.14.000.000833/2011-91, o MPF seguirá mobilizando os órgãos relacionados à causa e seus representantes com o intuito de buscar possíveis acordos e soluções para os problemas ligados à infraestrutura, direito de ir e vir, titulação de território, entre outros assuntos relacionados à comunidade quilombola Rio dos Macacos. “O MPF acredita na importância do diálogo entre os órgãos envolvidos e os representantes da comunidade em um evento como esse para a resolução dessas questões”, afirma o procurador regional da República e representante do “Grupo de Trabalho Quilombos” da 6ª CCR, Walter Claudius Rothenburg.

Histórico do caso:
Existente há mais de 200 anos, a comunidade quilombola Rio dos Macacos enfrenta um conflito com a Marinha do Brasil há cerca de 47 anos, quando o local onde a comunidade está instalada foi escolhido para a construção da Vila Naval de Aratu.

Desde 2011 o MPF/BA conduz o Inquérito Civil nº. 1.14.000.000833/2011-91, que acompanha a situação de conflito vivenciada pela Comunidade Quilombola Rio dos Macacos, que alegou, em diversas ocasiões, ser alvo de ações de coação na intenção de expulsar as famílias residentes no local. Ainda em 2011, o MPF já havia proposto ação civil pública pedindo que a Justiça determinasse a permanência da comunidade no local.

Em junho de 2012, o órgão expediu uma recomendação ao Comando do 2º Distrito Naval da Marinha do Brasil, visando a coibição de prática de atos de constrangimento físico e moral contra os quilombolas. O conflito ganhou ainda mais força após a decisão da Justiça Federal na Bahia que determinou a desocupação de área pela comunidade quilombola, em agosto de 2012. O MPF/BA ajuizou agravo de instrumento perante o Tribunal Regional Federal da Primeira Região, contra a decisão.


Em agosto de 2014 foi publicado no Diário Oficial da União, pelo Incra, o RTID, identificando 301,3695 hectares de terra quilombola, e regularizando uma área de 104,8787 hectares para a comunidade. Segundo o Incra, “a delimitação se deu pela necessidade de assegurar a regularização das terras quilombolas e também a manutenção de áreas necessárias à segurança nacional (acesse, pelo link, a notícia do Incra)".

Em 8 de fevereiro último, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu manter o decreto presidencial que regulamentou, em 2003, que a demarcação de terras de comunidades quilombolas é constitucional (acesse, pelo link, a notícia da Empresa Brasil de Comunicação). Após 14 anos de tramitação, os ministros mantiveram as regras de autodeterminação, pelo qual a própria comunidade determina quem são e onde estão os quilombolas, além do direito à posse das terras que eram ocupadas no momento da promulgação da Constituição. O Decreto 4.887/2003 dispõe sobre os procedimentos para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades de quilombos.

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