Os leitores sabem que livros
escritos por jornalistas tendem a provocar leituras agradáveis e a não provocar
questionamentos intelectuais. Dois livros lançados em Brasília este mês
confirmam a primeira afirmação e desmentem a segunda. O livro Borboletas e Lobisomens,
de Hugo Studart, é lido com o prazer de uma boa reportagem sobre a Guerrilha do
Araguaia; o livro Para onde vai a Igreja?, de Gerson Camarotti, entrevista
cinco cardeais brasileiros para saber onde está caminhando a Igreja, sob o
papado de Francisco.
O livro de Studart descreve a
aventura de jovens da cidade embrenhados na selva amazônica, lutando para
sobreviver, derrotar um poderoso exército, fazer uma revolução e implantar o
socialismo. As duas obras nos provocam para o debate sobre os dogmas e seus
fracassos devido à força do tempo, que amarela todos os livros e suas ideias.
Camarotti nos passa a aventura de um papa com 80 anos tentando fazer uma
revolução e atualizar a Igreja Católica. Os nossos jovens usavam dogmas criados
por Marx, Lenin e Mao para derrubar uma ditadura e implantar o socialismo;
Francisco e seus cardeais lutam para derrubar preconceitos arraigados há
séculos por interpretações da Bíblia.
A ideologia dos nossos
guerrilheiros não sobreviveu à duração da própria guerrilha; diante da
velocidade como ocorriam as mudanças na realidade, suas ideias ficavam velhas,
enquanto eles lutavam por elas. No mesmo tempo em que eles lutavam pela
revolução social, outros jovens em universidades ao redor do mundo faziam a
revolução científica e tecnológica que transformava o mundo e fazia obsoletas
as ideias da revolução guerrilheira; o capitalismo encontrava fôlego, o Partido
Comunista da URSS se desfazia e os líderes chineses se preparavam para novos
tempos: globalização, robótica, inteligência artificial, crise ecológica,
esgotamento do Estado, apartação social, enriquecimento e individualismo de
parte dos trabalhadores do setor moderno.
O livro de Studart nos permite
perceber como aqueles jovens queriam fazer história, sem perceber o rumo que
ela tomava, independentemente deles e dos militares que enfrentavam. Mostra
também o heroísmo e a capacidade de sonhar dos guerrilheiros. O autor trata da
importância dos sonhos como o alicerce para formar cada guerrilheiro e uni-los
na selva com armas na mão. Isso nos faz especular quais os sonhos que
motivariam os jovens de hoje para lutar pela construção de um mundo melhor,
mais pacífico e mais justo, mais eficiente e mais acolhedor.
Os jovens do Araguaia achavam que
isto era possível pela tomada do poder e a estatização dos meios de produção
com o Estado controlado pelo partido a serviço do povo. Os jovens guerrilheiros
não sabiam que não se consegue fazer uma sociedade justa sem ter uma economia
eficiente. Descobriu-se que o Estado serve sempre à minoria que o controla,
sejam industriais, sejam latifundiários, banqueiros, militares, juízes ou
servidores civis, não importa o partido; descobriu-se também que para ficar no
poder o partido e seus militantes são capazes de depredar o Estado, aceitar
propinas, destruir a eficiência da economia, tentando enganar ao povo.
Eles nos deram o exemplo de
heroísmo e de luta a ser seguido hoje, com novas ideias e novos métodos. Não
mais as armas, mas as urnas; não mais estatizar a economia e a sociedade, mas
promover a liberdade, construindo uma economia eficiente e assegurando
igualdade no acesso à educação e à saúde, independentemente da renda e do
endereço da família; respeitando o meio ambiente; promovendo a ciência e
tecnologia; sem corrupção e com democracia; não só em seu país, mas em todo o
imenso mundo global de hoje.
Studart dedica espaço à pergunta
que levou um jovem a sair do aconchego confortável de sua família de classe
média em cidades para embrenhar-se na mata inóspita, disposto a morrer e matar.
Sua resposta é de que foram os sonhos de mudar o mundo com revolução para
construir utopia. Camarotti começa cada entrevista perguntando as razões que
levaram o cardeal ao sacerdócio; de todos eles ouviu que tinham sonho de
realização espiritual e também exemplo de religiosos e santos. Isso nos leva a
perguntar qual o sonho para inspirar os jovens de hoje à vontade de mudar o
mundo, e em que exemplo de vida se baseariam para escolher a luta no lugar do
conforto.
A principal tarefa dos filósofos
e dos políticos de hoje é provocar sonhos coletivos nos jovens para que eles
queiram mudar o Brasil e o mundo; e dar exemplo de vida para legitimar os
sonhos.
Por Cristovam Buarque - Senador
pelo PPS-DF e professor emérito da Universidade de Brasília (UnB)
Fonte: Correio Brasiliense
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