O Correio Braziliense de 28 de abril trouxe matéria sobre a “Reinvenção do Lago”, mostrando um movimento social na direção do uso das margens do Paranoá, que até recentemente era pouco reconhecido pela concepção urbanística inicial e pouco utilizado pela população. Desde a inauguração da cidade até 1995 foram necessárias três décadas para que a ocupação do Lago fosse considerada dentro de um projeto urbanístico consistente. Tomei conhecimento desse projeto de aproveitamento do Lago em 1994, graças a dois arquitetos – Paulo Bicca e Tom Rebello – e de uma parlamentar – Maria de Lourdes Abadia.
Em um escritório na Asa Norte, Tom e Bicca me mostraram a concepção do Projeto Orla que Abadia tinha como uma de suas propostas de campanha na eleição para governadora naquele ano. Por disputar com ela, não pude adotar a ideia no meu programa, mas fiquei entusiasmado e não esqueci a proposta. No segundo turno daquela eleição, em uma rara demonstração de generosidade política e compromisso maior com a cidade, Abadia, derrotada no primeiro turno, apoiou-me sem qualquer reivindicação, negociação, nem pedido. Tomei conhecimento de seu apoio pela televisão.
Era natural que eu a chamasse para ocupar a Secretaria de Turismo, com duas tarefas: fazer de Brasília uma cidade com turismo de eventos culturais; e implantar o Projeto Orla, para transformar a paisagem e a vida brasiliense, democratizando o acesso e oferecendo os serviços necessários para a ocupação do Lago Paranoá pela população do Plano Piloto e das demais cidades do Distrito Federal. O uso do potencial turístico de Brasília fazia parte do projeto de meu governo para que nossa cidade fosse mais do que apenas Capital; o turismo é uma das vocações que temos para garantir o futuro de nossa juventude com emprego e renda. A ocupação do Lago era um caminho natural para fazer de Brasília um local de elevada convivialidade, como eu propunha com diversos projetos, tais como: incentivos à cultura, respeito à faixa de pedestre, redução da tarifa de ônibus, praças do cidadão, orçamento participativo, recuperação e funcionamento de teatros, instalação dos primeiros kits-micro academias em quadras e parques. A ocupação do Lago fazia parte de uma estratégia de construção do futuro de Brasília.
Abadia, com o apoio de Bicca, então Secretário de Desenvolvimento Urbano, e de Tom Rebello, Secretário de Indústria e Comércio, iniciaram os estudos e ações concretas para realizar o que ela havia apresentado em seu programa eleitoral no primeiro turno. O Projeto Orla começou em 1995, com uma nova visão urbanística e uma nova postura política: o Lago incorporado e o interesse da cidade acima das disputas partidárias.
Com a saída de Abadia da secretaria, escolhi Rodrigo Rollemberg, candidato recém-derrotado para a Câmara Legislativa do DF, como novo secretário. Logo que assumiu a pasta do Turismo, transformou-se, ao lado de Bicca e Rebello, no político que deu os passos iniciais em direção ao que o Correio Braziliense de 28 de abril chamou de Reinvenção do Lago.
Ao longo dos anos de governo entre 1995-1998 foi possível: iniciar a ocupação do Pontão, hoje um ponto fundamental da vida cultural, gastronômica e turística da cidade; implantar a primeira etapa do Calçadão Orla, no trecho da Concha Acústica, com bares, restaurantes, lugar para passeios; instalar pontos de convivência; iniciar a ocupação hoje consolidada do espaço de hotéis e apart-hotéis ao longo da Avenida da Vila Planalto; recuperar o antigo e tradicional primeiro hotel de Brasília, o Palace; desenvolver o espaço à margem da Avenida das Nações, estimulando a associação de alguns clubes, empreendimentos turísticos e culturais como o Pier 21, diversos restaurantes, centros comerciais e outros serviços; elaborar o projeto da Terceira Ponte, depois chamada de JK. Além da execução de alguns dos mais importantes “pontos” da cidade, o Projeto Orla serviu, desde seu início, como um marco da cooperação público-privada em todo o país.
A partir de 1999, os governos esqueceram o belo gesto de cooperação política e de gestão público-privada, e relegaram ou reduziram o alcance do Projeto Orla, que viu algumas de suas obras abandonadas. O atual governador Rollemberg parece levar adiante parte do projeto e, junto com a população, reinventar o Lago. Falta ainda muito para que o Projeto Orla esteja completo, com a cidade abraçando o Lago e fazendo dele parte fundamental de sua vida: o Lago reinventando Brasília.
Por Cristovam Buarque
Senador pelo PPS-DF e professor emérito da Universidade de Brasília (UnB)
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