*Cristovam Buarque
O Rio e o Brasil estão comemorando mais uma vez a entrada de nossos soldados na luta contra a violência que tomou conta desta bela cidade. Diante da guerra civil em andamento, não há como ficar contra a decisão do governo federal, mas é preciso estar alerta aos seus riscos e limitações.
Com as Forças Armadas (FFAA) nas ruas, a população carioca pode ter um fôlego de paz, mas sob o risco de envolver nossos soldados em mortes: a deles e a de bandidos nas ruas. As consequências destas mortes poderão ser muito graves para o necessário casamento entre os brasileiros e suas FFAA.
Ao escolhermos o caminho do enfrentamento entre nossos soldados e a guerrilha-do-crime, adotamos o risco de soldados matarem brasileiros, inclusive com prováveis efeitos colaterais: eufemismo para dizer vítimas inocentes de balas perdidas atiradas por armas de um lado ou de outro. Somente neste ano de 2017, 92 policiais militares e mais de 500 civis, inclusive crianças, foram mortos na guerra entre bandidos e policiais. São estatísticas assustadoras: ainda mais grave se envolver nossos soldados.
Igualmente grave são os limites desta opção. O Exército não pode ficar para sempre nas ruas do Rio, nem de outras cidades. No dia seguinte à saída dos militares, mesmo não sendo vista como derrota, os bandidos voltarão com espírito de vencedores. Sem falar no risco de sucesso da guerrilha-do-crime, se não diretamente no enfrentamento com nossos soldados, indiretamente pela disseminação da bandidagem em outras cidades.
A solução provisória será um agravante. Ainda que tenham sucesso momentâneo, os soldados não construirão a paz permanente, que só viria se o governo federal ocupasse o Rio com professores bem preparados, dedicados, bem remunerados, em escolas bonitas e bem equipadas, todas com horário integral.
Há anos, muitos dizem que se o Brasil não ocupar suas cidades com professores, teria de ocupá-las com soldados. Darcy Ribeiro dizia que se não fizermos escolas, teremos que fazer cadeias. Ou ocupamos com professores ou não adianta ocupá-las com soldados.
Mas continuamos preferindo os soldados aos professores, a segurança provisória à paz permanente. Comemoramos a federalização da segurança, mas nos recusamos a federalizar a educação. Se todas as crianças do Rio tivessem escolas equivalentes aos Colégios Federais, Pedro II ou Militares, em uma geração teríamos um ambiente de paz, evitando a necessidade da precária e arriscada opção militar.
Talvez isto nunca vá acontecer, por causa da miopia em relação ao futuro que nos faz preferir soldados nas ruas, muros nos condomínios, carros blindados, a uma paz duradoura que vem da educação. Em grande parte, porque temos três ideias arraigadas: a educação não resolve o problema; não podemos esperar por ela; e, sobretudo, a ideia de que no Brasil não há como oferecer escola com a mesma qualidade para os filhos de ricos e filhos de pobres. Esta mentalidade é a principal origem da violência que agora tentamos barrar com soldados.
Cristovam Buarque é senador pelo PPS-DF e professor emérito da Universidade de Brasília (UnB).
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