Por Afonso
Benites
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EFE Temer durante reunião do Conselho Militar de Defesa, no dia 22.
"Você
no passado sempre estava pensando quem era o general. Agora você não sabe o
nome de nenhum general, mas sabe o nome de todos os ministros do STF." A
frase, usada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em conversa com o EL PAÍS no ano passado, parece estar
ficando obsoleta. Nunca em quase 30 anos de redemocratização os militares
tiveram tanto protagonismo como agora. Primeiro, foi a nomeação de um general
como interventor federal na área de segurança no Rio de Janeiro. Nesta
segunda-feira, ao efetivar a criação do Ministério Extraordinário de Segurança Pública, o
presidente Michel Temer (MDB) fez mais um movimento no tabuleiro
político para fortalecer as Forças Armadas, o que deve interferir na iminente
sucessão no comando do Exército. Com o deslocamento de Raul Jungmann para a
nova pasta, a vaga na Defesa ficou com o general Joaquim Silva e Luna.
É
a primeira vez, desde 1999, que um militar assume o Ministério da Defesa. Foi o
então presidente FHC (PSDB)
quem extinguiu as pastas do Exército, da Aeronáutica e da Marinha e concentrou
as três em uma só. Era o simbolismo final para afastar qualquer eco da ditadura
militar (1964-1985): o comando político civil das três forças. Ao nomear Luna
para a função, ainda que interinamente, Temer rompe com essa tradição e
prestigia os militares, que com a intervenção federal no Rio de Janeiro
assumiram, ainda que não de todo confortáveis e exigindo mudanças legais, a
linha de frente do combate à criminalidade organizada.
Se
a intervenção federal é lida como uma tentativa do presidente de elevar o seu
prestígio junto ao eleitorado mais conservador e lançar sua candidatura para a reeleição neste ano, segundo
afirmam aliados e opositores, a aliança de Temer com os militares vem
sendo cultivada há mais tempo. Desde que assumiu a presidência da República, em
maio 2016, Temer, com velhas ligações com a área de segurança - ele foi
secretário da área em São Paulo no anos 80, tem buscado essa proximidade. Nos
últimos dois anos, o emedebista participou de ao menos dez encontros com
comandantes das Forças Armadas. Neste ano, essa aproximação se intensificou. Só
nos dois primeiros meses de 2018, foram quatro reuniões oficiais, conforme
consta de sua agenda pública divulgada pelo Palácio do Planalto. Na semana
passada, pela primeira vez desde a redemocratização, um presidente visitou o
Ministério da Defesa.
Toda
essa costura acontece às vésperas da mudança de comando no Exército, a força
com maior contingente - 215 mil pessoas. No próximo mês, o atual comandante da
força terrestre, o general Eduardo Villas Bôas, entrará para a reserva – ou
seja, ele se aposentará. Dois de seus possíveis sucessores, no entanto, ocupam
cargos chaves para a gestão federal e, possivelmente, não deixarão suas
cadeiras vazias. O general Sérgio Etchegoyen, ministro do Gabinete de Segurança
Institucional, era um dos favoritos para substituir Villas Bôas. Etchegoyen tem cada vez mais prestígio com o presidente -
ultimamente tem sido requisitado quase todos os finais de semana para
participar de encontros reservados com Temer - e é da ala que defende o papel
ativo dos militares na segurança pública se preciso. O outro cotado é
justamente o novo ministro da Defesa, general Luna. Ele já foi chefe do Estado
maior do Exército (o número dois da corporação) e, até domingo passado, era o
secretário-executivo da pasta que agora comanda.
O
próprio general Villas Bôas, ativo no debate da intervenção e dono de uma conta
no Twitter com 80.000 seguidores, tem papel relevante em sua sucessão.
Acometido com uma doença degenerativa que interfere em sua locomoção, o general
não ouviu as sugestões para se afastar das funções. Decidiu ficar no cargo até
este março, quando quatro de seus potenciais sucessores já terão entrado para a
reserva. Villas Bôas quis evitar que militares com visões distintas da dele
assumissem a função. Dessa forma, ele impediu que chegassem ao topo da carreira
os generais Hamilton Mourão (um defensor da intervenção militar no país), João
Camilo Pires de Campos, Juarez Aparecido de Paula e Theophilo Gaspar de
Oliveira. Dado esse quadro, ventila-se que o favorito para comandar a tropa é
Fernando Azevedo e Silva, ex-autoridade pública olímpica e chefe do
Estado-Maior.
O
abacaxi da Segurança e o fiel Jungmann
Raul
Jungmann foi deslocado para a Segurança Pública porque quase nenhum nome
sondado demonstrou interesse no cargo ou algumas das indicações de aliados não
agradaram ao Planalto. A presidência cogitou colocar um militar para essa
função, mas desistiu porque já há um general em um importante posto de comando
de civis, o general Walter Braga Netto, interventor no Rio de Janeiro. Pesou a
favor de Jungmann o fato de ele ter bom trânsito entre os governadores dos
Estados e o Congresso
Nacional, já que é suplente de deputado federal e ocupou uma cadeira
no parlamento por dois mandatos consecutivos.
Filiado
ao PPS, o novo ministro da Segurança é visto em Brasília como um político fiel
e determinado, mas que pode soar errático porque tenta se movimentar conforme
os ventos da opinião pública. No ano passado, quando movimentos sociais
promoveram uma violenta manifestação em Brasília contra a gestão Temer,
Jungmann defendeu que os militares fizessem a segurança do Distrito Federal. Um
decreto foi assinado para legalizar sua sugestão. No dia seguinte, após a
repercussão negativa, o Governo revogou a ordem o mais rápido possível. Na
semana passada, Jungmann primeiro afirmou que a gestão federal apoiava mandados
de busca, apreensão e prisão coletiva durante a intervenção no Rio. Diante das
queixas generalizadas, no entanto, ensaiou voltar atrás.
Com
um histórico de planos de segurança que não saíram do papel nas costas, o
desafio de Jungmann, agora em interlocução com os militares que trabalham num
plano a toque de caixa para o Rio, é imenso. Nesta terça-feira, o novo ministro
será empossado por Temer no cargo. Na quarta, deverá apresentar sua equipe, que
contará com ao menos nove assessores e um secretário-executivo.
Torquato
enfraquecido e Segovia na mira de Raquel Dodge
Se,
por um lado, o Governo tem fortalecido os militares, por outro, enfraqueceu o
Ministério da Justiça. A pasta que hoje está sob a responsabilidade de Torquato
Jardim perderá quatro de suas principais secretarias ou diretorias. São elas: a
Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, a Secretaria Nacional de
Segurança Pública e o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN). A Justiça
será a responsável pela articulação das políticas voltadas aos povos indígenas,
imigrantes, refugiados e pela secretaria nacional antidrogas.
A
decisão de criar a pasta de segurança e enfraquecer a Justiça surge depois de
outros reveses envolvendo o ministro Torquato Jardim, um advogado eleitoral e
constitucionalista até então sem vínculos políticos claros. No fim do ano
passado, Torquato concedeu uma entrevista na qual trouxe à tona a crise de
segurança do Rio. Afirmou que policiais e alguns políticos locais teriam
ligações com criminosos e aí estaria o cerne da violência local.
O
ministro agora fragilizado também perdeu uma queda de braço contra parte da
Polícia Federal. Ele queria indicar o novo diretor-geral da PF em substituição
a Leandro Daiello, mas não conseguiu. Por interferência de aliados de Temer, o
escolhido como chefe da polícia foi Fernando Segovia, agora na mira do STF e da
Procuradoria-Geral da República. Na semana passada, Segovia foi obrigado a
se explicar a um ministro do STF sobre suas declarações favoráveis a Temer em
um inquérito no qual o presidente é suspeito de beneficiar irregularmente um
grupo de empresas. Nesta segunda, foi a vez de a procuradora-geral da
República, Raquel Dodge, pedir ao Supremo "ordem judicial" para
que o diretor-geral se abstenha de declarações a respeito de inquéritos em
curso, sob pena de ser afastado do cargo.
Postado por https://brasil.elpais.com/brasil/2018/02/26/politica/1519680226_316889.html
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